Na épica noite em que o UFC 129 registrou o maior público (55.724 torcedores) e renda (US$12,075 milhões) da história do MMA na América do Norte, fazendo a Zuffa botar a mão no bolso nas premiações, tivemos o privilégio de assistir a mais um evento de altíssimo nível. Em mais outra performance cirúrgica, Georges St-Pierre venceu Jake Shields e manteve o cinturão dos meio-médios. Mesmo fim teve José Aldo, que seguiu campeão dos penas ao bater Mark Hominick. Mostrando que Steven Seagal é bom de marketing, Lyoto Machida aplicou um dos nocautes mais espetaculares dos últimos tempos, aposentando Randy Couture. Um nocaute relâmpago marcou a vitória de Vladimir Matyushenko sobre Jason Brilz, enquanto Ben Henderson passou por Mark Bocek.
Georges St-Pierre (CAN) venceu Jake Shields (EUA) por decisão unânime (50-45, 48-47, 48-47)
Mais uma vez GSP venceu. Mais uma vez GSP não conseguiu finalizar o combate antes da hora. Mais uma vez GSP não correu risco em momento algum da luta. Mais uma vez as pessoas reclamam de GSP. Mais uma vez GSP defende seu cinturão com sucesso, contra um oponente de peso.
Sabendo que o oponente é dono de um jogo de chão perigosíssimo, St. Pierre entrou com o intuito de manter a luta em pé. Dono de uma taxa de defesas de quedas das mais elevadas do MMA em todos os tempos, o campeão conseguiu frustrar todas as tentativas do desafiante de levar o combate para sua zona de conforto.
Assim como na vitória sobre Josh Koscheck, GSP usou seus poderosos jabs para dominar o combate. Num deles o golpe pegou Shields de encontro, mandando-o a knockdown no round inicial. Em outras oportunidades os jabs eram complementados por diretos e chutes baixos ou girados no corpo.
Na primeira metade do segundo round o americano acertou uma direita em cheio no rosto do canadense. No golpe, o nó da mão de Jake pegou dentro do olho de Georges. Resultado: o canadense lutou mais de 60% do combate piscando, incomodado, vendo tudo embaçado de seu olho esquerdo.
Depois do primeiro round, em outras duas oportunidades as bombas de GSP mandaram Shields à lona. No segundo foi um cruzado de direita que explodiu na orelha do desafiante. No quarto, um chute alto pegou na orelha do outro lado, igualmente mandando Jake pro tombo. Nas três oportunidades o americano se recuperou rapidamente, sem dar chance para o canadense imprimir seu temido ground and pound. Por outro lado Jake mostrou uma trocação mais perigosa do que muitos supunham. Inflingiu dano ao rosto do campeão, que acabou ensanguentado como raríssimas vezes foi visto. Justiça seja feita: os cortes no nariz e abaixo do olho esquerdo de GSP deixaram sua face com mais sangue que a do adversário.
Depois de quatro 10-9 incontestáveis a favor de Georges, finalmente Jake igualou um pouco as ações nos cinco minutos finais. Começou o round incitando a torcida, mostrando-se inteiro, mas com pouco mais de um minuto foi atingido por uma direita que o lançou para trás. A trocação foi equilibrada durante todo o round, com GSP levando pequena vantagem na contundência. Faltando cinco segundos para o fim, St. Pierre explodiu para uma última tentativa de queda, bem defendida por Shields. O último 10-9 resultou em 50-45 a favor do campeão. Nossa contagem foi a mesma marcada pelo juiz Douglas Crosby. Mas Nelson Hamilton e Richard Bertrand conseguiram enxergar dois rounds a favor do desafiante, apontando 48-47.
Três knockdowns, duas quedas, domínio completo. Atuação impecável para a maioria dos “mortais”. Para quem disputa palmo a palmo a posição de número 1 peso por peso, foi apenas uma atuação mediana. Moral da história: GSP é tão superior à concorrência que não precisa mais que uma atuação mediana para vencer sem tomar sustos, mesmo numa divisão com vários talentos, contra um adversário muito perigoso. Mas ele não fica satisfeito:
“A trocação de Shields foi muito melhor do que eu imaginava. Ele fechou meus olhos. Trocando em pé, eu esperava batê-lo com mais facilidade e então botá-lo pra baixo no fim da luta, mas não consegui implantar exatamente esta tática. Peço desculpas aos fãs. Eu queria um nocaute ou uma submissão nesta noite.”
A vitória eleva a série invicta do canadense para nove lutas. Já Jake viu sua invencibilidade ruir depois de 6 anos e 15 lutas.
Estatísticas do combate, de acordo com o FightMetric:
GSP: 92 golpes acertados, 85 contundentes (54 na cabeça, 27 no corpo, 11 nas pernas), 2 quedas em 3 tentativas.
Shields: 96 golpes acertados, 76 contundentes (40 na cabeça, 38 no corpo, 18 nas pernas), nenhuma queda em 6 tentativas.
José Aldo Junior (BRA) venceu Mark Hominick (CAN) por decisão unânime (48-45, 48-46, 49-46)
Nicolau Maquiavel já dizia que os fins justificam os meios. Como todos imaginavam, Aldo venceu e defendeu com sucesso pela primeira vez seu cinturão. Mas ninguém supôs que seria tão complicado.
Contra todos os prognósticos, mas com o apoio de um público alucinado em suas costas, Hominick provou que é dos grandes. A pressão que Aldo lhe impôs no começo foi forte. Combinações rápidas, golpes fortes, belas esquivas e movimentação. Aldo mostrava porque é o peso pena mais temido do mundo. Mas o canadense não se intimidava e aceitava a trocação, sempre andando pra frente. O campeão então mergulhou num double-leg preciso, caiu por cima, mas Mark tentou uma chave de braço. Junior defendeu e passou a trabalhar cotoveladas na guarda, enquanto o desafiante tentava se afastar da grade segurando-a (o que não é permitido). Talvez pressionado pela torcida, o árbitro “Big” John McCarthy fez com que a luta voltasse ao centro faltando meio minuto. Ainda deu tempo do brasileiro aplicar outra queda, garantindo o 10-9.
Aldo pareceu voltar mais cansado. Hominick percebeu e tomou a iniciativa. Acertou bons golpes no corpo e se movimentava mais. O campeão equilibrou a trocação e tentou quedar duas vezes, mas o desafiante defendeu. Ao perceber que Mark começava a ficar à vontade no boxe, Aldo levou a luta para baixo. Voltou a punir na guarda do desafiante, que se mantinha segurando a grade para evitar ficar encurralado. E mais uma vez McCarthy manda a luta voltar para o centro (a arbitragem nunca tem este rigor com Jon Fitch). Como faltava um minuto, Aldo acertou bons golpes e novamente quedou, caiu por cima e passou a guarda. O canadense chegou a tentar obstruir a respiração do brasileiro, que venceu novamente por 10-9.
O cansaço de Junior aumentou, enquanto Hominick aparentava estar inteiro. O desafiante rodava soltando jabs, Aldo respondia com golpes potentes. O boxe do canadense estava afiado. O campeão conseguiu uma queda na metade do terceiro, mas não sustentou posição. Hominick passou a acertar bons golpes e dava mostras que dominaria o round quando Aldo acertou um gancho de direita na orelha do canadense, que foi a knockdown, agarrando as pernas do campeão. Novamente na guarda do adversário, o campeão trabalhou o ground and pound, vencendo outro por 10-9.
Hominick voltou para o quarto com o olho esquerdo danificado, piscando muito. Aldo voltou trabalhando bem seus violentos chutes baixos, normalmente em combinações com socos no corpo e na cabeça. Com um cruzadaço de direita, Junior mandou novamente Mark a knockdown. Na guarda do desafiante, Aldo seguia as instruções de André Pederneiras, que pedia para o campeão trabalhar as cotoveladas. De tanto martelar Aldo deixou de presente um galo grotesco, do tamanho de uma bola de tênis, na testa do canadense. O córner mandava o campeão bater no inchaço, mas Aldo deu a impressão de ter ficado com pena daquela situação bizarra. “Big” John interrompeu a luta e pediu a presença de um médico para avaliar aquele que era um dos maiores calombos que eu já vi na história do MMA. Hominick não desistiria diante de seu público e a luta foi reiniciada. Ainda deu tempo do campeão soltar algumas bombas e garantir outra queda, cravando o quarto 10-9 da noite.
Nem a plaquinha de metal mágica deu jeito naquele calombaço. Hominick voltou deformado para os cinco minutos finais, com o olho esquerdo fechado e o direito debaixo do galo surreal. Mas quem disse que ele se entregou? Pelo contrário! Muito cansado, Aldo foi um rascunho do lutador dos 20 minutos anteriores. Acertou apenas 3 golpes, segundo as estatísticas do FightMetric, enquanto o canadense disparou mais de 60, principalmente jabs de esquerda e diretos de direita, um terço deles significantes. Ainda conseguiu um takedown, caindo na guarda para trabalhar o ground and pound. Exausto, Aldo apenas sobreviveu até a buzina encerrar a luta. O 10-9 a favor do canadense deixou o combate em 49-46 a favor do campeão, de acordo com a nossa contagem.
O combate visceral rendeu a ambos a premiação extra de 129 mil dólares, pelo bônus de Luta da Noite.
Lyoto Machida (BRA) venceu Randy Couture (EUA) por nocaute (1:05, R2)
Quantas vezes eu já ouvi na minha vida que “aquele golpe da gaivota do Daniel-san não vence ninguém, só em filme mesmo”. Pelas mãos de Lyoto-san, eis que a resposta chega 27 anos depois.
Já era previsto que Couture teria dificuldades imensas para encontrar Machida no octógono e aplicar seu jogo de clinch, quedas e ground and pound. A diferença de velocidade e técnica em pé eram abissais. Lyoto usou todo o primeiro round para frustrar a lenda, mostrando que ele não é um osso duro para qualquer wrestler à toa. Noção de distância perfeita, jogo de pernas encaixado, quadril solto, troca de bases. O velho Dragão estava de volta. Trezentos segundos de luta, trezentas coordenadas diferentes. Lyoto não esteve em nenhum momento do round inicial no mesmo local. Muito bem preparado para evitar o clinch, Machida soltou jabs, diretos, cruzados, chutes e joelhadas, variou na cabeça e no corpo, se safou facilmente de um double-leg, vencendo sem a menor dificuldade por 10-9.
Depois de fazer o veterano integrante do Hall da Fama parecer um iniciante no primeiro, Lyoto voltou para o gran finale. Couture sentia-se incapaz de chegar perto. Machida sentia o fim próximo. Com combinações rápidas o brasileiro atingia sempre o alvo. De repente… Chute frontal voador, chute da gaivota, golpe da garça, mae tobi geri. Chamem do que quiser. Eu chamo de genialidade. Com um chutaço que explodiu na ponta do queixo, Lyoto mandou um dente de Couture pro espaço e apresentou a aposentadoria à lenda. O lance espetacular rendeu 129 mil dólares a Lyoto pelo bônus de nocaute da noite.
Randy, com 19-11 no MMA e 16-8 no UFC, se despediu derrotado, mas aplaudido de pé. Na entrevista depois da luta mostrou porque é um atleta tão adorado:
“Vocês não me verão novamente. Acabou. Acho que quando tivemos essa conversa da última vez eu tinha todos os dentes. Eu já tinha pensado nisso depois de James Toney, mas eles me deram o Lyoto. Ele é um tremendo lutador. Eu achava que estava bem na luta e ele me pegou com aquele chute incrível. Os fãs sempre me trataram muito bem, mas me despedir dessa maneira foi especial.”
Já Machida (16-2, 8-2 no UFC) mostrou o que esta luta simbolizava para ele:
“Eu sonhei quando tinha 18 anos que um dia lutaria contra Randy Couture, mas pensei que nunca pudesse ter a oportunidade porque eu era muito jovem. Foi uma honra lutar com Randy. Ele é o cara, uma lenda. (…) Seagal me motivou muito a utilizar essa técnica, que estava adormecida em mim. O Steven deu uma contribuição muito grande no golpe”
Vladimir Matyushenko (BIE) venceu Jason Brilz (EUA) por nocaute (0:20, R1)
Se você piscou, foi ao banheiro ou saiu para pegar uma cerveja, perdeu a luta.
Não teve disputa de luta olímpica, não teve quedas. Não deu tempo nem de Brilz dizer a que veio. Matyushenko soltou os braços para medir a distância e rapidamente emendou um upper de direita e um cruzado de esquerda. Ambos explodiram contra o queixo do americano, que desabou. O bielorrusso ainda foi garantir a vitória no ground and pound, mas Brilz não se protegia. Para evitar maiores problemas, o árbitro Dan Miragliotta corretamente interrompeu o combate.
“Às vezes eu cumpro o que prometo. Eu vinha trabalhando muito na minha trocação e estou feliz por ter conseguido esta vitória por todos os meus fãs. Sou capaz de fazer muito mais.”
No sapatinho neurótico, comendo pelas beiradas, Matyushenko já crava 4-1 em seu retorno ao UFC. A única derrota desde a volta foi contra ninguém menos que Jon Jones.
Ben Henderson (EUA) venceu Mark Bocek (CAN) por decisão unânime (30-27, 30-27, 30-27)
Desde o começo ficou clara a intenção de Bocek levar a luta para o chão, e a de Henderson mantê-la em pé. O canadense conseguiu rapidamente um clinch depois de um direto de direita, mas o americano reverteu a posição na grade. O árbitro Yves Lavigne chegou a separá-los por causa da falta de ação. Bocek repetiu a dose, com outro direto e clinch. Benson variava entre cotoveladas, socos, chutes na perna e superman punch. Bocek conseguiu uma queda com single-leg, caiu na guarda e não conseguiu passar. Ben aplicou cotoveladas de baixo para cima e venceu por 10-9.
Bocek voltou tentando um single, levou para o clinch na grade, mas foi o ex-campeão do WEC que conseguiu a queda. Bocek procurou uma perna ou braço enquanto Henderson martelava na meia guarda. Bocek conseguiu se levantar, novamente buscou o clinch, mas Ben encaixou o underhook e pressionou o canadense contra a grade. Quando o americano trabalhava joelhadas, Mark puxou uma guilhotina, alternando pra uma anaconda. Bocek ajustou a posição, apertou a guilhotina, mas não conseguiu finalizar o oponente que parece ser de borracha. Depois de se safar, Benny disparou selvagens cotovelos e joelhos no corpo. O round acabou com o canadense cortado no topo da cabeça, sangrando muito. Outro 10-9 a favor de Henderson.
No intervalo o cutman encheu o corte de Bocek com vaselina para estancar o sangramento. Ele conseguiu quedar o americano duas vezes nos cinco minutos finais. Caiu na guarda do americano na primeira. Henderson socava para cima, mantendo-se ativo. Procurou uma chave de braço. Não conseguiu, mas achou espaço para reverter a posição e novamente ficar de pé. Bocek voltou a sangrar, tentou uma baiana, mas Henderson defendeu com um sprawl. O americano punia o canadense com joelhadas. Faltando menos de um minuto, Mark conseguiu outra queda. Henderson conseguiu se safar, apertou Bocek contra a grade e disparou mais joelhadas. Por ter sido mais contundente, Ben conseguiu outro 10-9, fechando o combate em 30-27 na nossa contagem.
Fotos: Al Bello/Zuffa LLC via Getty Images
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